Crônicas de conteúdo histórico-cultural sobre artistas, personalidades, políticos e acontecimentos em Duque de Caxias, RJ, projeto concebido pelos jornalistas Alberto Marques e Josué Cardoso.

segunda-feira, maio 12, 2008

PEDAÇOS DA NOSSA HISTÓRIA

Horrores de Magé
* Eugênio Sciammarella
Quando a Segunda Revolta da Armada, eclodiu às 23:00 horas do dia 6 de setembro de 1893, quando os almirantes revoltosos Custódio José de Mello e Luiz Felipe Saldanha da Gama fizeram içar abordo do encouraçado Aquidabã o pavilhão rubro da rebelião. A eles se uniram 16 vapores de guerra e 8 vapores mercantes (navios velhos e imprestáveis).
Neste momento a pacata e promissora Magé estava adormecida e jamais sonharia que com o levante seria alvo do terrível holocausto intitulado pela imprensa de Horrores de Magé. A segunda Revolta da Armada foi um movimento militar que pretendia depor o Marechal Floriano Peixoto. O desentendimento entre o presidente Floriano e os militares da Armada remontava ao início de seu governo, quando apelaram para a Carta Constitucional, os militares exigiram a realização de eleições para Presidência da República, após a renuncia de Deodoro. Os conflitos se concentraram na baía de Guanabara, as rotas marítimas para o recôncavo tornaram-se impraticáveis. Com isto, Magé ficou isolada do Rio de Janeiro, pois a única via de acesso a capital da recém criada República era a marítima. Instalava-se o caos.
Com o episódio, Magé foi transformada em cenário de acontecimentos lamentáveis. Houve de tudo: crimes hediondos, impunidade, repressão ao cotidiano de seus moradores, incêndios criminosos, saques a residências e a casas comerciais, estupros, mandos e desmandos, depurações de bens públicos e particulares, excesso de crueldade, embargos, destruição literária e artística, dilapidação de bens, saques e roubos de suas igrejas e capelas, destruição nos campos, nos portos e na cidade.
A vertigem econômica, política, social e histórica do período foi tal que o Jornal do Brasil, numa série de reportagens, intitulou o holocausto como: “Horrores de Magé”, que marcaram e marcam a população da Cidade até nossos dias.
Logo as principais ilhas da baía estavam em poder dos revoltosos. Assim, a Ilha do Governador e Paquetá e seu pequeno arquipélago caíram em poder dos rebeldes. Mas não eram propícias à subsistência da tropa e logo o fundo da baía foi facilmente tomado. E Magé, como importante celeiro, foi ocupada em meados de novembro de 1893, pelos revoltosos que ocuparam militarmente a cidade, e daí fizeram um centro para o fornecimento de gêneros alimentícios para suprir seus comandados. A seguir alguns relatos transcritos do Livro editado em 2002, pela Mitra Diocesano de Petrópolis, intitulado de “Horrores de Magé”, que narra com fidelidade a série de reportagens feitas na época:
“... A cidade acha-se muito abatida, pelas perdas e torturas por que passou, com a estada das forças do governo durante mais de quatro meses. Importantes casas comerciais ficaram completamente destruídas, existindo apenas hoje os seus vastos armazéns vazios, com a carcaça das armações deterioradas por incríveis danificações. Vai-se reanimando pouco a pouco, e os trabalhos de sua fábrica de fiação e tecidos prossegue com atitude, estando já em montagem os seus 150 teares e as suas caldeiras e motores.”
Mais adiante, prossegue o repórter:
“...Logo fui informado das cenas de verdadeiro vandalismo pelas tropas enviadas pelo governo e que se compunham de um contingente de cavalaria do Exército, de outro do 10º Batalhão de Infantaria da Guarda nacional da Capital Federal, de alguns praças da Brigada Policial da mesma capital e de uma ala do 82º da Guarda Nacional do Estado do Rio de Janeiro. Todas essas forças eram comandadas pelo Coronel Manuel Joaquim Goldophin, de cavalaria do Exército, e penetrou em Magé no dia 21 de fevereiro de 1894, às 08:00 do dia.
Em meados de novembro de 1893, os revoltosos ocuparam militarmente a Cidade de Magé e dali fizeram um centro para fornecimento de gêneros alimentícios de que a esquadra ia precisar,ficando como comandante da praça o 1º tenente José Augusto Vinhaes e como seu secretário o Dr. Climaco Barbosa. A guarnição era pequena, pois em Magé os revoltosos não hostilizaram e até procuraram criar simpatia pela correção com que procederam, proclamando que garantiriam a propriedade, a vida e a liberdade dos mageenses e a honra, sossego e dignidade das famílias. Isso foi o que geralmente ouvi dizer por todos os cidadãos com quem conversei.”
“Estavam as coisas neste ponto, tranqüila a população de Magé em perfeita harmonia com as forças revolucionárias que ocupavam a cidade, sem receber auxílio do governo, quer federal, quer estadual e dispensando-o perfeitamente, tendo até se conformado à autoridade judicial e policial com o silêncio em resposta aos seus pedidos de tropas que garantissem e protegessem contra possível ataque, quando souberam na manhã de 21 de fevereiro de 1894, que se aproximavam soldados do governo para desalojar os revoltosos de Saldanha e ocupar e guarnecer a cidade com tropas que ali restabelecessem e garantissem o pleno domínio da autoridade constituída...”
“Eram cerca de 08:00 horas da manhã quando, pela rua do cemitério, que acompanha o lado direito da igreja e vai sair na rua da Matriz, surgiam os soldados da República para restabelecer o domínio da lei, em nome da qual vinham agir e operar. Foi então que seis praças do batalhão patriótico saíram ao encontro da numerosa força, armados de carabinas deram uma descarga contra as forças do governo, fugindo em seguida. Os soldados legalistas responderam com uma descarga geral e tiveram um momento de indecisão. Prosseguindo na marcha, continuavam a dar tiros em descargas cerradas e repetidas, sem alvo e a esmo... Encontraram, porém, um gravemente ferido, que não podendo fugir, abrigara-se por trás da rua da Matriz, e ai foi morto a tiros e a golpes de sabre, pelos soldados, enquanto a vítima pedia em gritos: água, pelo amor de Deus!
Foi este o prenuncio de desoladoras cenas.”
Em outro trecho, narra:
“...Infelizmente o coronel Manoel Joaquim Godophin, comandante das tropas legalistas, demonstrou que outros eram os intuitos que o levaram a Magé, que a estabilidade da lei e das garantias que a ela cerca e com os quais defende e protege a vida, a honra e a propriedade do cidadão nunca o preocupou. Fez praticamente primeiro, para depois anunciar por palavras expressas, o que pensava e o que queria fazer na cidade fluminense. Fazendo alto no Largo do Portela, as forças aguardaram ordens, que já esperavam, como fui informado por pessoas da localidade e como se deduz da seqüência dos fatos. Imediatamente, a um sinal do major Augusto Amorim, da 4ª Brigada de Infantaria da Guarda Nacional da Capital Federal, e por ordem do coronel Goldophin, cornetas e clarins das duas armas de que se compunham deram um tempo o terrível toque de saque e degola!
“É medonho, é horrível e parece incrível! Mas infelizmente é a pura verdade! O Sr. Goldophin deu estas ordens horríveis, em pleno final do século XIX, contra uma cidade brasileira, que não lhe resistira, e o esperava como salvado. Foi o maior e mais bárbaro atentado ocorrido neste grande, deste generoso, deste humano Brasil.”
Continuando, narra o repórter:
“... Godolphin receava encontrar em Magé um contingente revoltoso muito forte e numeroso, e a ele parecia talvez insuficiente a tropa que trazia e tratou de juntar toda a gente que encontrava em sua passagem, e para isso conseguiu com mais facilidade, ao lado do rigor, da ameaça, empregava a promessa de saque da cidade. Assim o fez, e melhor: o cumpriu.”
Finalizando, outro trecho da série de reportagens, narrava o repórter do Jornal do Brasil que esteve em Magé, denunciando as atrocidades sofridas pela indefesa cidade ao Brasil e ao Mundo.
“Quando os soldados se entregavam à pilhagem desenfreada, durante todo o tempo de seu "comando", ele contemplava os destroços a que era reduzida as propriedades dos cidadãos, o pesar e a aflição destes, e como jactando do que ordenara, costuma dizer com a convicção de quem estivesse cumprindo uma ordem: “Eu vim destruir Magé, essa e a minha missão!”
Após esta triste fase, Magé, que era uma das mais proeminentes cidades do Estado do Rio de Janeiro, berço natal de vários vultos da história do Brasil, habitado por importantes famílias, local escolhido por brasileiros e estrangeiros para residirem, escolhido para ser berço da primeira ferrovia do Brasil, que foi elevada a Cabeça de Côrte, Baronato e Viscondato, da mais importante via terrestre de comunicação com Minas Gerais e o interior do país, dos movimentados portos e de tantas coisas importantes, entrou na triste decadência perdendo o status de “Cidade Modelo.”

“Eu vim destruir Magé, essa é a minha missão!”
Coronel de Cavalaria Manoel Joaquim Goldophin.

Os revoltosos permaneceram em Magé, até fevereiro de 1894, quando foram desalojados pelas tropas legalistas. Em 13 de março de 1895, depois de um ano e meio de revolta infrutífera na baía de Guanabara os rebeldes desistiram da luta, alguns pediram asilo em navios portugueses ancorados nas cercanias. Custódio de Mello e Saldanha da Gama que se odiavam adotaram táticas diferentes: Mello partiu para o exílio na Europa e Gama se aliou aos rebeldes gaúchos. Morreu em combate no Rio Grande do Sul, em junho de 1895.
* Fontes pesquisadas:
Horrores de Magé - Mitra Diocesana de Petrópolis/RJ
Repoarte Editora Rio de Janeiro/2002
A História do Brasileiro - Editora Zero Hora/RBS Jornalista Rio de Janeiro/2000,

1 Comentários:

Anonymous Eugênio Sciammarella Jr disse...

Prezado Alberto
Fiquei emocionado ao ver uma pesquisa feita por mim em seu blog (Horrores de Magé).
Grato e parabéns por seu trabalho.
Eugênio Sciammarella Jr.

11:38 AM, fevereiro 19, 2010

 

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