PORQUE ELE ERA “A ALEGRIA DO POVO”?(Coluna 143)
►Ele tinha tudo para ser mais um desvalido da sorte, como eram conhecidas as pessoas que não tinham futuro brilhante, nem fortuna em seu horizonte. Mulato, de pernas finas e tortas, arqueadas mesmo, de poucos estudos, sua única qualidade era a intimidade com a bola, que sabia controlar como poucos. Jogador do Glorioso, como os botafoguenses se referiam ao clube da estrela solitária, ele acabou sendo convocado como reserva de um ponta-direita que brilhava no Flamengo: Joel. Acabou caindo nas graças do técnico Feola e ganhou a posição. E logo os marcadores das melhores seleções do mundo foram rebatizados por um codinome, que se tornou motivo de gozações: “João”. Quem era escalado para marcar aquele moleque de pernas tortas já podia adivinhar o que diriam os jornais do dia seguinte: Ele venceu mais um “João”. Seu nome de “guerra”: Mané Garrincha.
Moleque, no sentido de ingenuidade e pureza de sentimentos, ele morava em Pau Grande, à época um distrito de Magé, e fazia questão de viajar nos trens de “Segunda” da Estrada de Ferro Leopoldina. Os amigos e vizinhos, faziam hora na entrada da Estação de Barão de Mauá, à espera do mais famoso morador do Distrito. Ao chegar, sempre sorridente, ele fazia questão de pagar as passagens do grupo, que, literalmente, “tomava de assalto” um dos vagões destinados aos passageiros da Segunda Classe dos trens que faziam a ligação Rio-Teresópolis, com parada obrigatória na Estação de Pau Grande.
Ele roubou a cena numa reunião da Comissão Técnica da Seleção brasileira, antes do jogo com a forte equipe da União Soviética, onde o técnico Feola explicava uma das jogadas que resultaria, segundo o bonachão treinador da Seleção de 1958, num gol para a seleção canarinho. Dada a saída pelo goleiro Gilmar, a bola iria de pé-em-pé até o gol adversário. Seria moleza, tal e qual a antológica jogada da seleção canarinho no jogo contra o Chile em que, depois de roubar a bola do adversário ao lado da grande área brasileira, em exatos 17 segundos ela saiu dos pés de Juan para chegar ao gol do Chile, num chute mortal de Robinho.
Na época, tudo era explicado num quadro-negro e, ao final da exposição de Feola, com a sinceridade e a simplicidade, que eram marcas pessoais de seu comportamento, Garrinha indagou: “Já combinaram isso com os “inimigos”?.
Esse era o Mané Garrincha que fazia a alegria do povo. Mas havia um outro Garrincha, que não ligava para o dinheiro e que, por amor à bola, fazia qualquer sacrifício. Como ficar fazendo embaixadas na porta de uma loja de departamentos, na calçada da Av. Presidente Kennedy, em troca de alguns trocados. Era o mês de maio e o Forte Tupynambá, uma loja de material esportivo situada ao lado do estratégico Bar Elite, aproveitava a ocasião para acelerar as vendas com as suas tradicionais “Loucuras de Maio”.
A campanha promocional era organizada pela Agência OPP-Organização Poubel de Propaganda, da dupla Zoelzer e Ruyter Poubel, dirigida pelo publicitário Genival Rodrigues. Já que o cliente era especializado em material esportivo, nada melhor para fazer a propaganda, numa época em que a televisão ainda engatinhava por aqui, do que usar uma figura carismática como Garrincha, fazendo embaixadinhas na porta da loja. E a idéia deu certo e muita gente se aglomerava, todas as tardes, quando não havia jogo do Botafogo, em frente à loja para ver Garrincha demonstrar a sua paixão pela “pelota”, pela “gorduchinha”. E a estratégia publicitária dava certo e muitos dos que se encantavam com a habilidade de Garrincha, acabavam entrando na loja para comprar alguma coisa. Realmente, com a bola nos pés, aquele menino-homem, de pernas tortas e sorriso fácil, fazia verdadeiramente a “Alegria do Povo”!
(Coluna nº 143, publicada em "O MUNICIPAL", Edição Nº 9043 (14 A 21-10-2005, pg. 5).
CONCEPÇÃO: ALBERTO MARQUES E JOSUÉ CARDOSO. REPRODUÇÃO: CAPA DO CORDEL ‘GARRINCHA, A ALEGRIA DO POVO”, DE BARBOZA LEITE
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial