Crônicas de conteúdo histórico-cultural sobre artistas, personalidades, políticos e acontecimentos em Duque de Caxias, RJ, projeto concebido pelos jornalistas Alberto Marques e Josué Cardoso.

sexta-feira, outubro 14, 2005

MANÉ GARRINCHA, O MENINO PASSARINHO DO FUTEBOL (Coluna 142)

► Em meados de 1978, conheci pessoalmente Mané Garrincha, o craque das pernas tortas decisivo nas campanhas de 1958, na Suécia, e 1962, no Chile. Nos anos 1960, tive a oportunidade de vê-lo jogar no Maracanã, em partidas do Botafogo - desde então, tornei-me fã de seu desconcertante futebol.
Na condição de diretor do Departamento de Educação e Cultura da PMDC, que incluía em suas atividades a administração do estádio municipal - chamado de “Maracanãzinho” -, recepcionei Garrincha e um jornalista que o acompanhava. Eles vinham desenvolver um trabalho esportivo em Duque de Caxias - uma “escolinha de futebol” - patrocinado pela Legião Brasileira de Assistência (LBA) e apoiado pela Superintendência de Desportos do Estado do Rio de Janeiro (SUDERJ).
Após rápida visita ao gabinete do prefeito Renato Moreira da Fonseca, fomos - eu, Garrincha e o jornalista - vistoriar o estádio municipal, na Rua General. Mitre, bairro 25 de Agosto. O gramado foi logo aprovado pelos visitantes, pois estava realmente em ótimas condições. Para preservá-lo, nossa Divisão de Cultura, Recreação e Desportos, subordinada ao Departamento de Educação e Cultura, limitava o número de partidas ali realizadas semanalmente, especialmente em períodos de chuvas intensas.
Os vestiários, porém, eram pequenos e desaparelhados. Afinal, os jogos ali disputados eram de equipes amadoras. O remédio seria equipá-los, o que seria feito com as obras da vila olímpica, em construção em área contígua ao estádio. Mesmo sem dispor de instalações ideais, o estádio foi aprovado para o projeto que motivara a vinda dos visitantes.
Naqueles idos, entre os funcionários do Departamento de Educação e Cultura, lotado na Escola Municipal Laguna e Dourados, em função burocrática das mais simples, estava um craque do passado, o centro-avante (como era chamado o principal atacante do time) “Índio”. Em seus tempos de jogador, defendeu o Flamengo do Rio de Janeiro e a própria seleção brasileira. De pronto, ele foi escalado para participar da equipe da “escolinha de futebol” do Garrincha, representando nossa departamento.
Passava das 12 horas e convidei os visitantes para almoçar no restaurante Las Vegas, na Av. Presidente Kennedy, um dos melhores da cidade. Mal chegamos, com jeito simplório e sorridente, Mané Garrincha perguntou se podia tomar uma “branquinha”. Mandei servi-lo, e veio uma “purinha” das boas! De uma talagada, sorveu a aguardente, pediu bis e foi atendido. Ao sair para usar o sanitário, o jornalista perguntou ao garçom se poderia apressar o almoço. Olhou-me, então, e disse que não se podia deixar o Mané solto com a pinga. Entendi sua preocupação e pedi que servissem rápido “a bóia”.
Escrevo esta breve reminiscência sob o impacto da leitura de “Estrela solitária - um brasileiro chamado Garrincha”, de Ruy Castro, que me foi presenteado pelo Rogério Torres da Cunha. Com mais de 500 páginas, apoiado em ampla pesquisa documental e entrevistas com 170 pessoas, o livro é mais que uma biografia - é estudo de natureza sociológica e avança ao campo da psicologia.
Moleque, solto, descontraído, livre como seus antepassados indígenas, era nos campos e na vida pessoal um quase irresponsável. Sim, era tudo isso, praticando a alegria nas jogadas endiabradas, nas paqueras às mulheres, na entrega aos prazeres do copo. Em seu mundo de “Pau-Grande”, na periferia de Magé, convivia diretamente com a natureza, sem complicações, com dia-a-dia previsível: pescar, namorar, futebol de várzea, bebericagem em bares...
Daquele viver simplório foi projetado para o universo do futebol, dos estádios cheios, da paparicação de cartolas, políticos e imprensa. Botafogo, seleção brasileira, viagens ao exterior, bicampeonato mundial... Tudo isso - em pouco tempo - foi muito, foi demais para Mané Garrincha.
Em seu livro, Ruy Castro recupera a imagem de Elza Soares, companheira de Mané por vários anos e agredida, massacrada pela imprensa e opinião pública na época. Era acusada de “tirar” Garrincha da esposa Nair e das sete filhas. O amor vivido por eles - Elza e Mané - era desconsiderado e, quanto a ela, não se reconhecia o apoio que deu ao ídolo, em seu ocaso no futebol e na entrega ao alcoolismo. Sem dúvida, admirável o trabalho do autor de “Estrela solitária”, reconstituindo a vida e a obra futebolística de Garrincha. É livro para ser lido e guardado.
No final dos anos 1990, por iniciativa do secretário municipal de Esporte e Lazer, Laury de Souza Villar, foi criado o Centro Esportivo Mané Garrincha, situado na Rua Baltazar da Silveira nº 410, bairro Parque Felicidade, à época conhecido como “Arnão”, em Duque de Caxias. Para cortar a fita simbólica de inauguração, a municipalidade convidou Elza Soares, em reconhecimento ao que ela representou para o saudoso craque. (Stélio Lacerda, após leitura de “Estrela Solitária”, de Ruy Castro, Companhia das Letras, 1996)

(Coluna nº 142, publicada em "O MUNICIPAL", Edição Nº 9043 (07 A 14-10-2005, pg. 5)
CONCEPÇÃO: ALBERTO MARQUES E JOSUÉ CARDOSO. REPRODUÇÃO: CAPA DO LIVRO ‘ESTRELA SOLITÁRIA’, DE RUY CASTRO

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